20 anos do caso Suzane Richthofen: onde e como estão ela e os irmãos Cravinhos

Por José Maria Tomazela

Foi para o ex-delegado da Polícia Civil de São Paulo José Masi que Cristian Cravinhos confessou a participação no assassinato do casal Richthofen, abrindo as portas para a elucidação do caso. Marísia e Manfred Von Richthofen foram mortos no quarto onde dormiam em 31 de outubro de 2002. O envolvimento da filha do casal, Suzane, no crime fez o País acompanhar com atenção todos os desdobramentos do episódio.

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“Desde que eles chegaram ao DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa), o comportamento deles não me convenceu. A Suzane e o Daniel trocavam beijinhos ao se cruzarem no corredor, um chamava o outro de benzinho, um comportamento que não era esperado de quem tinha acabado de perder pai e mãe”, relembrou Masi ao Estadão, 20 anos depois.

“No caso da Suzane, não havia nenhum sinal de desespero, de preocupação com o futuro de órfã, nada. Quando sentou no sofá ao lado do Daniel, ela jogou sua perna sobre a perna dele, um gesto revelador de cumplicidade”, acrescentou o delegado.

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Masi estranhou também quando, quatro dias depois do crime, decidiu fazer nova inspeção no lixo da mansão e encontrou as caixas vazias das joias da família que tinham sido “roubadas” pelos supostos assassinos do casal.

“A Suzane se aproximou e pediu para ficar com a caixa de joias como uma recordação. Nesse momento, tive a clara percepção de que ela sabia onde estavam as joias ‘roubadas'”, disse. Depois que eles confessaram os crimes, parte das joias foi recuperada em uma chácara da família Richthofen, na região de Sorocaba.

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A casa arrumada demais para uma situação de roubo e os sacos de lixo usados para cobrir o rosto do casal – “algo que um assassino que não conhece as vítimas jamais faria” – levaram à convicção de que a cena do crime tinha sido alterada para simular um roubo.

O ex-delegado, que também trabalhou na investigação do assassinato de Celso Daniel – o então prefeito de Santo André, morto em janeiro de 2002 -, disse que o caso Suzane foi marcante para a polícia e a Justiça paulistas. “Não ficou dúvida nenhuma sobre esse caso e eles receberam condenação exemplar. Lembro que no início o Cristian tentou segurar o B.O. (acusação) sozinho, mas logo a participação do irmão dele e da Suzane ficaram evidentes”, lembra.

Investigação exigiu cautela

O delegado Ricardo Guanaes, que ainda atua na Polícia Civil de São Paulo, era titular da equipe H-Sul do Departamento de Homicídios e esteve na casa logo após o crime.

“Era um crime que poderia ter sido rachado (solucionado) no dia, mas a gente encontrou uma certa dificuldade porque era um caso que exigia muita cautela. Quando chegamos à casa, vimos o local e conversamos com um tio dela, e ele achou esquisito o irmão não ter deixado ligado o alarme.”

Guanaes lembra que o tio contou que as discussões entre pais e filha se davam pelo namoro da menina, “mas ele disse que isso já havia sido superado”.

O delegado foi com sua equipe para a casa do namorado e o que chamou sua atenção foi a aliança de noivado no dedo dela. “Se o problema do namoro estava superado, por que a aliança do noivado logo depois da morte dos pais? Naquela ocasião, tomamos uma atitude que não era comum: levamos todos para o departamento, a Suzane, o Daniel, o Andreas e o pai dos irmãos Cravinhos. A gente não podia errar, pois a filha já estava na dor pela morte dos pais, imagine se a gente faz uma acusação que depois não se confirma?”

Guanaes explicou que, no prédio da Homicídios, o método foi levar cada um para uma sala e, com cautela, ir fechando o cerco. “A gente percebia que eles estavam com uma história bem ensaiada, uma versão que, no começo, parecia muito boa, mas depois foram aparecendo os buracos. Aquela aliança no dedo foi algo muito revelador. Ficou claro para mim que a Suzane e o namorado estavam escondendo muita coisa, o que depois se confirmou.”

O delegado já atuou em vários casos difíceis, como o esclarecimento do assassinato do juiz de Presidente Prudente, Antônio Machado Dias, executado em 2003 a mando do Primeiro Comando da Capital (PCC). O assassinato dos Richthofen, no entanto, foi o que mais marcou sua carreira.

“É um caso que até hoje, além de nos chocar muito, tem essa característica da relação pais e filhos. Os pais tinham viajado para a Europa e eles ficaram na mansão, aproveitando e curtindo muito, numa vida de sonho. Quando os pais voltaram, as regras da casa foram restabelecidas e eles se viram privados de uma liberdade a que achavam que tinham direito. É um dos casos da vida. Tenho filho e um crime assim é algo que choca e marca muito.”

Participação ‘valiosa e decisiva’ de Suzane, apontou acusação do MP

A denúncia do Ministério Público de São Paulo apresentada ao 1º Tribunal do Júri da capital descreveu de forma detalhada os acontecimentos daquele 31 de outubro de 2002.

Por volta da meia-noite, no interior da residência situada à Rua Zacarias de Góis, no bairro Campo Belo, em São Paulo, Daniel Cravinhos de Paula e Silva e seu irmão, Cristian Cravinhos de Paula e Silva, desferiram diversos golpes de porretes que causaram em Manfred Albert Von Richthofen e em sua esposa, Marísia Von Richthofen, “ferimentos suficientes a lhes causarem a morte”.

Segundo se apurou, para conseguirem êxito em sua empreitada criminosa, contaram os acusados com a participação “valiosa e decisiva” da filha do casal, Suzane Louise Von Richthofen. Daniel e Suzane eram, à época dos fatos, namorados e seu relacionamento recebia uma franca hostilidade das vítimas, que não aceitavam o romance deles.

“As tensões geradas pelo conflito em torno do namoro da filha culminaram com o uso de força física por Manfred e com promessas de deserdação dela, caso não desse fim ao namoro. Com isso, o casal passou a nutrir a intenção de eliminar os pais dela”, narra a denúncia.

O passo seguinte foi o planejamento do crime. Com a habilidade adquirida na confecção de aeromodelos, Daniel fabricou os porretes que seriam usados para matar o casal e Suzane apanhou as luvas cirúrgicas da mãe que seriam usadas para não deixar marcas da ação. Cristian foi chamado para ajudar em troca do dinheiro que havia na mansão.

No dia do crime, os três entraram na casa próximo da meia-noite, quando Suzane já sabia que os pais estariam dormindo. Ela entrou primeiro, certificou-se desse fato e chamou os dois, que esperavam do lado de fora. Com os rostos cobertos por meias-calças e usando luvas, os irmãos Cravinhos se acercaram da cama e desferiram os golpes de porrete contra as cabeças das vítimas.

Daniel atacou Manfred, Cristian matou Marísia. Conforme o laudo da perícia, as porretadas foram tão violentas que pedaços de ossos e massa encefálica se espalharam pelo quarto. Para certificar-se da morte de ambos, Cristian enfiou uma toalha na cabeça de Marísia e a envolveu com um saco plástico. Daniel usou uma toalha molhada para cobrir a cabeça e impedir a respiração de Manfred. Depois foi em busca de um revólver que sabia existir na casa e deixou ao lado do corpo do homem.

Enquanto a dupla matava o casal, Suzane se ocupava de criar um cenário de roubo, espalhando as joias da mãe pela casa – algumas foram levadas por Cristian, além de R$ 10 mil achados na casa. Ela sabia onde a mãe guardava valores em moeda estrangeira, deu uma parte para Cristian e ficou com um pouco para suas despesas

Depois de trocarem de roupa e se desfazerem dos trajes ensanguentados e dos porretes, o trio deixou a casa de carro. Cristian foi deixado próximo à sua casa, Daniel e Suzane foram para um motel. Uma hora depois, Suzane saiu e passou em um cibercafé para pegar o irmão mais novo, “ali propositadamente deixado para que não atrapalhasse eventualmente os planos do trio”.

De volta à casa, continuou com a encenação do assalto, chamando primeiro o namorado, seu cúmplice, depois a polícia. A denúncia concluiu que Suzane e Daniel agiram embalados por motivação torpe, ela para se vingar dos pais ante a proibição do namoro, ele com a perspectiva de uma vida confortável com a herança que receberia. Cristian agiu motivado pelo pagamento em dinheiro.

“Dificilmente a Justiça e a sociedade irão se deparar com um caso tão claro em que a responsabilidade penal dos acusados ficou cabalmente demonstrada. A polícia fez um trabalho de investigação exemplar, o que levou os réus a confessarem na polícia e em juízo”, disse o advogado Alberto Zacharias Toron, que atuou como assistente de acusação, auxiliando a promotoria a demonstrar a culpa dos réus.

Ele lembra que os próprios acusados não tiveram argumentos para justificar a atrocidade que cometeram. “É verdade que eles procuraram mitigar os fatos, dizendo que a Suzane teria sofrido violência por parte do pai, mas isso nunca se provou e, na verdade, era uma escusa para tentar justificar a barbaridade. Tanto que o irmão mais velho do Daniel comprou uma moto Ninja com o dinheiro que ele furtou da casa. Viu-se mesmo que a ideia deles era matar as vítimas para usufruir as benesses de uma casa confortável que o pai dela construiu com longos anos de trabalho”, disse.

A reportagem pediu autorização à Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) para entrevistar Suzane e Cristian nas respectivas unidades prisionais de Tremembé, mas, segundo a pasta, os dois se recusaram a dar entrevista. Procurada, a atual advogada de Suzane, Jaqueline Beatriz Ferreira Domingues, disse que iria refletir sobre a conveniência de dar entrevista, mas não deu retorno. A defesa de Cristian informou que não se manifesta.

Daniel também foi procurado, mas não deu retorno. A reportagem também procurou o tio de Suzane e Andreas e ex-tutor do jovem, médico Miguel Abdalla, mas não houve retorno aos contatos.

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